sexta-feira, 15 de maio de 2009

Vão faltar talentos

É isto mesmo. Por mais estranho que pareça, o futuro do mercado de trabalho no Brasil é promissor e não terá gente preparada o suficiente para as oportunidades que surgirão. O futuro será constituído de pouco emprego, mas de muito trabalho.
Aliás, se fizermos uma análise hoje, já iremos encontrar sinais claros dessa situação futura. Qualquer agência de empregos no País tem hoje listas de ofertas de trabalho. Mesmo com uma tonelada de currículos e uma fila enorme de pessoas procurando emprego, não é possível preencher as vagas.
Para entender este fenômeno, precisamos de uma análise mais detalhada. Primeiro é preciso separar mercado de trabalho daquilo que todos conhecem como mercado de emprego.

MERCADO DE TRABALHO x MERCADO DE EMPREGO

No mercado de trabalho, iremos encontrar todo o esforço humano, seja físico ou mental. Visando produzir algum bem remunerado ou não, sob as mais variadas formas de vínculo, em que o emprego é apenas uma das fórmulas entre tantas outras, tais como autônomos, profissionais liberais, microempresários etc. Nele encontramos desde o trabalho do jardineiro até o do especialista em física quântica, que presta serviços de consultoria a várias empresas sem ser empregado de nenhuma delas.
O emprego é uma invenção da era industrial cuja essência exigia força humana em massa e trabalho repetitivo que, com o avanço da tecnologia, foi substituído pela máquina. A tecnologia destrói empregos burros e cria trabalhos inteligentes. Tem sido assim no mundo inteiro.
No mercado de emprego encontramos uma situação caótica, onde há uma relação de subordinação e dependência que inibe a criatividade e a ação empreendedora. Trata-se da famosa relação empregado x patrão, na qual cada um tem estabelecidos seus limites através de uma regulamentação.
No Brasil, a relação de emprego, aos olhos dos trabalhadores, parece ser a única relação de trabalho. O modelo brasileiro vem da década de 40, possui uma regulamentação exagerada com raízes no modelo fascista da era Mussolini, dotado de fortes princípios paternalistas extremamente onerosos para as empresas.
O excesso de regulamentação, aliado ao avanço da tecnologia e o surgimento da demanda de trabalho intelectual cada vez maior, na produção de bens e serviços com flexibilidade na relação de subordinação e dependência, tornará cada vez mais o emprego em baixa e o trabalho em alta.
Vê-se portanto, numa primeira análise, que o mercado de trabalho é infinitamente maior que o de emprego.

O EXEMPLO AMERICANO

Em uma segunda análise, vamos observar o que ocorre hoje com o mercado de trabalho americano porque o Brasil será, provavelmente, o reflexo dele. O espírito empreendedor, aliado ao modelo flexível de relações trabalhistas e o investimento em educação, fizeram surgir naquele país tantas oportunidades de trabalho que hoje ele precisa importar talentos dos quatro cantos do mundo. O mérito americano é que eles perceberam primeiro que todos os demais países que a demanda por talentos na era do capital intelectual exigiria relações abertas e que a revolução da tecnologia da informação geraria uma infindável quantidade de prestadores de serviço que seriam capazes de oferecer ocupação a toda nação. Hoje, os americanos prestam serviços ao mundo mesmo possuindo poucas indústrias. Possuem tanta oportunidade de trabalho que precisam recorrer a importação de profissionais.

A CARÊNCIA DO BRASIL POR TALENTOS PREPARADOS

Analisando agora o caso do Brasil, os sinais estão sendo verificados em todos os setores. Qual é a empresa atualmente que não precisa de alguém com idéias novas para solucionar seus problemas? Quanto uma empresa está disposta a pagar a um talento que apresente um projeto de um novo produto ou serviço que seja viável à sua linha de negócios? Que empresa não gostaria de ter alguém que possa lhe facilitar a atração de novos clientes? Qual delas não daria trabalho a quem é especialista em analisar e descobrir novos mercados; enfim, quem não precisa hoje de gente que possa fazer diferença?
Se pegarmos o setor de telecomunicações, por exemplo, há hoje uma guerra declarada pela atração e retenção de talentos. A privatização do setor escancarou as mazelas e as carências acumuladas em décadas de atraso e falta de investimentos em gente. O resultado é que os poucos talentos existentes com conhecimentos e habilidades neste setor estão sendo disputados a peso de ouro. Essa situação irá se agravar com a entrada das empresas-espelho e as chamadas bandas C e D. Será um "Deus nos acuda" para encontrar talentos no Brasil. A revolução do mercado de trabalho no Brasil está apenas começando. Imagine a chegada de novas empresas em todos os setores da economia.

AS TRÊS CATEGORIAS DE TRABALHADORES

Ao longo dos próximos dez anos, o Brasil mudará o perfil de seu mercado de trabalho, mesmo possuindo hoje três categorias diferentes de trabalhadores.
Há uma classe que nem por milagre se enquadrará nessas novas oportunidades. São aqueles que possuem pouca formação intelectual, acostumados, ao longo dos anos, com a cultura de emprego e que não querem voltar a estudar. É a geração "carteira assinada". Estes continuarão sofrendo e engrossando a fila de desempregados até descobrirem que podem sobreviver prestando serviços autônomos de baixa relevância.
A outra categoria é formada, em sua maioria, por jovens que têm uma boa formação intelectual, estão ligados nas tendências, têm boa vontade de fazer mas precisam de ajuda para entender melhor como fazer. São profissionais que, uma vez treinados e desafiados, responderão à altura. São pessoas com potencial de aprendizagem e conscientes de que precisam evoluir. Esta categoria será, em médio prazo, "a bola da vez".
A terceira categoria é constituída por talentos já prontos. Infelizmente é uma minoria, daí a disputa das empresas em comprarem seus passes. Esses profissionais estão na mira dos headhunters e são alvos de propostas consideradas até mesmo escandalosas, envolvendo pagamento de luvas e tudo mais.
São pessoas com visão estratégica, com mentalidade evoluída, que buscam por conta própria a sua formação, entendem o significado do cliente, provocam mudanças, quebram paradigmas, usam a criatividade para "inventar" novos produtos e serviços. São aqueles que hoje fazem acontecer. O incrível é que vamos encontrar pessoas assim em todos os setores e com as mais variadas formações. O que significa que essa categoria não é privilégio de "doutores". A base é a abertura de cabeça.
Em outras palavras, temos então uma categoria de baixo potencial, que ainda não entendeu nada e bate de porta em porta procurando emprego. Outra com grande potencial que está se esforçando para entender e uma terceira que já entendeu tudo sobre esta nova era e está sendo o motor da mudança.

AS OPORTUNIDADES QUE VIRÃO

Quando digo que a guerra por talentos está apenas começando no Brasil, além dos fatores acima descritos, temos que considerar também o que está por vir em termos de abertura de novas oportunidades.
A demanda começou há um ano atrás pelo setor de telecomunicações. Neste momento, vivemos o boom da Internet, onde o e-commerce está criando milhares de vagas. Estão para surgir outras revoluções como, por exemplo, a área de alimentos, com a modernização da cadeia do agribusiness; o crescimento vertiginoso do setor automobilístico, cuja cadeia atinge desde o fabricante de autopeças até o lavador de carros, e a área de produção de software que cada vez mais atuará visando facilitar as operações de negócios.
O setor de Turismo, Lazer e Entretenimento projeta grandes investimentos com a entrada de megainvestidores, considerando que o Brasil é um dos grandes potenciais do mundo neste setor, e hoje ainda recebe menos que 5% dos turistas que a França recebe todo ano.
Imagine quantas oportunidades surgirão dessa transformação. Quanta gente preparada para fazer face à necessidade de lançar novos produtos e serviços essas empresas irão necessitar?

O DESAFIO DE TER TALENTOS PREPARADOS

Como vimos, não há estoque de talentos prontos. As empresas e as oportunidades que estão chegando precisam de gente para entrar em campo já jogando. Não tem tempo para treinar, entretanto, a disputa pelo escasso contingente de talentos preparados tem um limite. O desafio então é começar imediatamente a preparação dos talentos potenciais.
O desafio de preparar a classe trabalhadora para essa nova realidade é complexo. Depende, em parte, do governo, dos empresários, das instituições de ensino, mas, acima de tudo, depende dos próprios trabalhadores.
O governo precisa fazer a reforma da legislação trabalhista e sindical. Também necessita estruturar melhor a justiça do trabalho, rever o papel do Ministério do Trabalho, que atualmente coloca no mesmo nível os bons e os maus empregadores. Hoje, estes fatores atuam mais como desmotivadores do que como influenciadores da geração de empregos e trabalhos.
Os empresários precisam investir mais forte em treinamento e desenvolvimento dos seus talentos. Cada empresa deve representar também o papel de escola, criar um ambiente de trabalho em que o erro seja considerado uma oportunidade de aprender e as pessoas incentivadas a criar e desenvolver idéias.
As instituições de ensino têm que atualizar o currículo escolar e se aproximar mais das empresas e da realidade do mundo do trabalho e dos negócios.
Aos trabalhadores cabe uma parte também muito difícil: a de se motivar a estudar, buscar o aprendizado, esforçar-se para entender o mundo que está em volta de si, aprender a pensar e exercitar a criatividade, despertar a curiosidade e ter iniciativa de experimentar, de ser ousado e perder o medo de ser punido por tentar acertar e, o principal, preparar-se para ser um prestador de serviços independentemente do vínculo. Um prestador de serviços que entenda o significado do cliente como o seu grande patrão.
Mesmo com tudo isto acontecendo, ainda assim vão faltar talentos o suficiente para o País empreendedor que começa a impor presença no mercado mundial.




Acadêmica: Fernanda Scussiato Lago
Cícero Domingos Penha é vice-presidente de Talentos Humanos da Algar Telecom S/A.

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